Peça sacra, devolvida à comunidade, estava sendo comercializada em um site de leilões e foi entregue ao MPMG por meio da campanha “Boa Fé”, que estimula colecionadores, negociantes, adquirentes e herdeiros a devolver, de maneira espontânea, obras de arte e antiguidades que pertencem ao patrimônio cultural de MG
O domingo, 8 de dezembro de 2024, ficará marcado para comunidade de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), por dois eventos ligados à religiosidade, fé e cultura dos mineiros: as comemorações pelo Dia de Nossa Senhora da Conceição, celebrado na igreja matriz que recebe o nome da santa, padroeira da cidade, e o retorno da imagem de São José de Botas, recuperada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e devolvida ao local de onde havia sido extraviada em 1947.
A festa pelo retorno da imagem sacra e a missa celebrada pelo dia da padroeira foram realizadas na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e contou com a presença de fiéis, representantes da arquidiocese, promotores de Justiça, e servidores do MPMG.
A imagem devolvida à comunidade estava sendo comercializada em um site de leilões e foi entregue ao MPMG por meio da campanha “Boa Fé”, que estimula colecionadores, negociantes, adquirentes e herdeiros a devolver, de maneira espontânea, obras de arte e antiguidades que pertencem ao patrimônio cultural de Minas Gerais.
De acordo com o promotor de Justiça Marcelo de Azevedo Maffra, coordenador de Patrimônio Cultual do MPMG, “é com muita alegria que vemos a igreja lotada não só para celebrar o dia da padroeira, mas também para receber a imagem de São de José de Botas, que ficará na sala mortuária, local de onde ela nunca deveria ter saído. Uma das inúmeras funções que o Ministério Público tem é defender o patrimônio cultural, que é de todos nós e que representa a nossa história, nossa identidade e a fé do povo mineiro, principalmente. São José de Botas, que é tido como um grande padroeiro dos desbravadores de Minas Gerais, volta para fazer companhia à Nossa Senhora da Conceição, nesse momento de fé e adoração da comunidade”.
A servidora do MPMG, Paula Carolina Novais de Miranda, historiadora responsável pela perícia que identificou a peça sacra como sendo a imagem extraviada em 1947, explica que o trabalho de reconhecimento da imagem começou na internet. “Nós recebemos uma denúncia de que a peça estava sendo leiloada e, pela internet, fizemos uma análise preliminar. Depois, utilizamos todas as informações que temos. Nesse contexto, fizemos uma breve descrição com as informações que constavam no site de leilões. Na sequência, reunimos essas informações e comparamos com as que estavam cadastradas no nosso sistema. Como é uma análise por fotografias, não é possível aprofundar”.
Ainda segundo Paula, para que a análise técnica possa ser feita é preciso ter acesso físico ao bem. E assim foi feito. "Recebemos a peça e tudo foi documentado. Fiz aferição de altura, largura e profundidade, além de verificar o estado de conservação da imagem. Depois fizemos a comparação da imagem que estava cadastrada como desaparecida no sistema. As informações convergiam e assim foi possível confirmar que se tratava da mesma peça. Para corroborar esse entendimento, nós chamamos a comunidade para fazer o reconhecimento do bem para que a restituição definitiva pudesse ocorrer”.
Flávia Reis, historiadora que fez a denúncia pelo Sondar, explica que estava fazendo um inventário da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição quando se deparou com a imagem de São José de Botas. “Na elaboração desse inventário encontrei um registro de que a imagem tinha sido extraviada durante as comemorações da Semana Santa de 1947. Depois disso, acessei um site de busca e digitei ‘São José de Botas’ para pesquisar sobre a imagem. Tive a sorte de encontrar em num leilão online, a imagem que estava procurando. Nesse momento, entrei em contato com o Ministério Público e me instruíram a fazer a denúncia na plataforma Sondar”.
Sobre o uso da ferramenta para fazer a denúncia, a historiada diz que não encontrou dificuldades. “A plataforma é muito simples de utilizar. Não tive nenhuma dificuldade. Qualquer pessoa consegue denunciar e fazer consultas posteriormente”.
O padre Eribaldo dos Santos, pároco responsável pela Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, afirma que “cada um olha para uma imagem de uma forma. O historiador tem um olhar, o promotor de Justiça tem outro, e nós, pela fé, temos uma maneira de ver uma imagem sacra. Apesar de toda a riqueza artística dessa peça, que é do início do século 18, ela carrega consigo uma força espiritual muito grande. Cada imagem nos recorda de uma vida totalmente doada a Deus. Então, essa imagem que o Ministério Público traz novamente aqui para Sabará representa o resgate da nossa identidade”.
Cronologia: da denúncia ao retorno da imagem a Sabará
Conforme o promotor de Justiça Marcelo de Azevedo Maffra, a imagem de São José de Botas, de 54 cm de altura, foi objeto de denúncia enviada via Sondar, em 20 de novembro de 2023.
Depois, o MPMG solicitou acesso físico ao bem. No dia 26 de setembro deste ano, a escultura foi entregue na sede da Coordenadoria e tão logo a imagem chegou ao MPMG foram realizadas fotografias, aferição de dimensões e verificação do seu estado geral de conservação para fins de realização de perícia.
Entre os documentos consultados para perícia, destaca-se comunicação da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dpahn), datada de 4 de julho de 1947, que traz um levantamento dos bens constantes da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. A partir desse documento foi possível verificar que a imagem foi extraviada naquele ano.
Foi então que o setor técnico entrou em contato com o pároco responsável buscando confirmar, por intermédio de reconhecimento, se a imagem entregue ao MPMG era a que havia sido extraviada. A CPPC solicitou apoio do padre para localizar pessoas que pudessem reconhecer a imagem.
Já no dia 25 de outubro de 2024 foi realizado o reconhecimento formal e expresso da peça como pertencente ao patrimônio cultural de Sabará, vinculado à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. A Igreja Matriz e seu acervo estão protegidos por tombamento federal feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
De acordo com a CPPC, no site de leilões a imagem foi descrita como uma peça em madeira policromada do século XVIII com 54 cm. No sondar a peça também figurava como uma imagem de madeira policromada, mas com 50 cm de altura. Em aferição, in loco, constatou-se que a imagem possui 54 cm de altura, corroborando o informado no anúncio de venda.