Agricultores retomam cultivo em Mariana, mesmo com rejeitos da Samarco


08/11/2017 às 12h56

Nos cerca de 110 quilômetros (Km) de curso d'água mais atingidos pela lama da mineradora Samarco, o rejeito ainda é visto por todos os lados, dois anos depois. A região vai do ponto em que o rio Gualaxo do Norte encontra o distrito de Bento Rodrigues até a hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga. A luta para livrar a água do composto à base de minério de ferro fica ainda mais difícil no período chuvoso, quando a erosão do material localizado às margens dos rios aumenta e o rejeito é arrastado para a água.

Quando a Agência Brasil esteve na região, foi possível constatar, em diversos pontos do Gualaxo do Norte, por exemplo, a erosão do rejeito nas margens. Esse foi o primeiro rio a receber o material vindo da Barragem do Fundão, há dois anos. Hoje, a lama escura e brilhante ainda deixa a água bastante turva, de cor caramelo.

Às margens dos rios, 247 propriedades rurais foram atingidas diretamente pela lama. Foram soterrados os pastos e as chamadas "baixadas", terrenos à beira do curso d'água, onde deveria existir mata ciliar, mas são usados para atividade agropecuária por causa da fertilidade do solo.

Agora os agricultores da região já voltaram a plantar em cima do rejeito. Rafael Arcanjo Rola, de Gesteira, ficou mais de um ano alimentando suas 24 vacas de leite com silagem fornecida pela Samarco, para compensar a destruição da pastagem. A esposa dele, Adelina Aparecida Coelho Rola, de 52 anos, conta que meses depois da tragédia, ao pisar no rejeito ainda se observava uma consistência de lama, com muita água. Duas vacas atolaram, mas foram salvas.

No segundo semestre deste ano, Rafael decidiu plantar novamente o pasto no local. “Joguei uma terra e plantei por cima”, conta. Mas não tem certeza se o solo está livre de contaminação. Adelina relata efeitos negativos do rejeito nos cultivos, opinião compartilhada por vizinhos. “O pasto não está ainda tão bom. Está amarelado. Alguns falam que plantam a braquiária [capim], aí a raiz dela não desce. O rejeito é muito duro”.  Agricultores de outras regiões relatam que árvores frutíferas que sobreviveram à avalanche de lama morreram depois.

A água do rio ainda não é usada pela família de Rafael e Adelina. Nem mesmo pelo gado, que agora convive com cercas para não chegar à margem e compartilha a água consumida pelas pessoas. “O meu irmão me dá água dele [de nascente] para casa. Eu lavo roupa, lavo casa de noite, e durante o dia eu deixo para os bois. Só lavo o que eu preciso. Porque não tem outra água”, explica Adelina. A Samarco abriu um poço para a família, mas Adelina afirma que a bomba só puxa água “suja”, imprópria para uso. Outros moradores deixam o gado beber a água do rio normalmente e assumem o risco de futuras contaminações.

A Fundação Renova utiliza a propriedade da família como um piloto para implantação de projetos de melhoria para os agricultores. Uma fossa ecológica trata o esgoto da casa para que a água caia, limpa, no rio. Antes, todos os dejetos eram jogados diretamente no curso d'água. Também foram montados piquetes em uma área mais alta para a pastagem, mas Adelina afirma que ainda não está “bonito” porque não tem água para irrigar.

Plantio não é recomendado

A Samarco afirma que o rejeito continha minério de ferro e areia, apenas. No entanto, foram encontrados metais pesados ao longo desses dois anos em materiais analisados por diferentes instituições, como arsênio, níquel, cádmio e cromo.

A Fundação Renova, criada para executar as ações acordadas entre a Samarco, a União e órgãos do Espírito Santo e de Minas Gerais, financiada pela mineradora, afirma que os materiais têm origem não no rejeito, mas no histórico de degradação da Bacia do Rio Doce.

“A grande questão é que a lama se misturou ao sedimento do fundo do rio. Temos histórico de degradação do rio ao longo dos anos, com presença de garimpo ilegal, utilização de metais pesado, agrotóxicos de forma indiscriminada”, afirma Juliana Bedoya, líder de Manejo de Rejeito da Renova.

Ela também cita que a qualidade da água já está restabelecida. “Claro que em períodos de chuva a gente tem o aumento da turbidez”, pondera. No entanto, Juliana diz que não há informações sobre o impacto de longo prazo do consumo de água e de alimentos plantados no rejeito.

O líder de Operações Agroflorestais da Fundação, Thomás Lopes Ferreira, diz que sem essa análise, a instituição não recomenda o uso do solo ou da água pelos agricultores. “A Fundação tem o princípio da precaução. Enquanto não tiver um estudo que comprove que não tem risco à saúde, nós não fomentamos atividade agropecuária em cima do rejeito. Apesar de saber que tem proprietários fazendo isso”. Ele diz, no entanto, que não tem competência legal para impedir o cultivo.

“Para isso está previsto um estudo de análise de risco à saúde humana, também segmentado por trecho. Começamos um piloto em Minas e outro no Espírito Santo e vamos estender. Isso não é um processo rápido, inclui análise de água subterrânea. Temos um prazo de dois anos para os 650 Km”, informa Juliana Bedoya. A conclusão do manejo de todo o rejeito é prevista para 2023. Esse plano foi orçado em R$ 400 milhões.

Fonte Agência Brasil


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