Um desavisado que passasse pela Câmara Municipal de Mariana nesta quarta-feira (07) talvez pensaria “é a participação popular nas decisões administrativas do município”, mas não era bem isso. A intenção da comunidade que faz parte do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto era justamente de participar da discussão que envolve uma disputa judicial entre a Universidade e a Arquidiocese de Mariana.
Quem compareceu à Câmara foi surpreendido com as portas fechadas. A discussão sobre a propriedade do ICHS acontece desde 2003. A decisão em última instancia devolveria os prédios utilizados pela UFOP para a igreja. A audiência que deveria ser pública foi privada deixando de fora os principais afetados do lado de fora. A transmissão ao vivo realizada pela Câmara em todas as audiências públicas foi vetada, segundo a assessoria de comunicação da própria Casa, por pedido dos vereadores, já que se tratava de uma reunião fechada.
Os TAEs, professores e estudantes do ICHS se fizeram uma passeata ate a Câmara na intenção de participar da audiência que definiria a situação dos prédios ocupados pela UFOP. Segundo o depoimento de Andressa Nunes, estudante de História e membro do Centro Acadêmico do curso, “na última reunião do conselho departamental foi informado aos membros do conselho que haveria essa audiência e foi pedido aos estudantes e membros do Centro Acadêmico de Historia – único CA ativo no ICHS até então – para fazer uma mobilização entre os estudantes pra gente vir participar da reunião, ou pelo menos para fazer alguma pressão. Chegamos aqui e as portas estavam fechadas e não sabemos por quê”.
“É um atentado à democracia a gente não poder participar, já que somos a parte mais interessada no processo’’, afirma Andressa Nunes. Surpresa pela decisão de fechar a reunião ao público, Ucy Soto, professora do departamento de Letras e membro do conselho departamental, relatou que “o que foi acordado em reunião com a reitoria, o que sabíamos até agora [momento de recusa da participação da reunião], é que primeiro, faríamos uma negociação mediada pela câmara de vereadores, e que essa reunião aconteceria hoje com a presença de todos os envolvidos. Em nenhum momento foi divulgado pela reitoria – ao menos, não no conselho departamental –, ninguém sabia que a negociação aconteceria com a porta fechada”.
“Outra coisa que é extremamente estranha, essa reunião foi pensada para que as duas partes envolvidas no conflito, a arquidiocese de Mariana, e a Universidade Federal de Ouro Preto, colocassem claramente o que elas podem fazer, o que elas pedem umas às outras. Até a semana passada a reitoria da UFOP não tinha dito claramente para o conselho departamental do ICHS qual era efetivamente a posição da UFOP, o que se poderia pedir à arquidiocese. O que havia eram rumores, e não uma posição clara da reitoria. Uma reitoria que não discute com os mais envolvidos quais são as posições que ela está pensando negociar, é extremamente delicado para uma gestão que seja democrática. Estamos todos perplexos porque não entendemos que seria feito dessa maneira”.
Ucy explicou que: “o conselho departamental é a instância máxima dentro do ICHS que reúne todos os departamentos, programas de pós-graduação, e representa docentes, discentes e técnicos. Portanto, todas as decisões que se referem ao ICHS passam pelo conselho departamental e são discutidas no conselho. A partir do momento que se instaurou o problema do ‘despejo’ do ICHS, quem tem que responder como representante legal é a reitoria. Só que, em uma gestão democrática, a reitoria ouve as partes envolvidas. A parte mais envolvida no ‘despejo’ do ICHS, obviamente, vai passar pela diretoria do ICHS e pelo seu conselho departamental”.
A professora ainda falou das ações do conselho departamental dentro do processo, e questionou fatos que, segundo ela, comprometeram o andamento da questão. “O conselho já encaminhou para administração central, ou seja, a reitoria, uma série de solicitações, que não receberam resposta em sua maioria. O processo que a universidade sofreu com relação ao ICHS foi de certa forma, de descaso, de não cuidar bem daquele bem. Nesse processo que acontece desde 2003, quem tem que representar a universidade é a reitoria, ou as reitorias, já que desde então já tivemos várias gestões. O que é estranho é que, nesse processo, por exemplo, a Advocacia Geral da União simplesmente não compareceu a duas audiências, e eu gostaria de entender por quê”.
As pessoas que foram impedidas de participar da reunião relatam a exclusão da comunidade acadêmica do processo. Soto completa: “e não é só isso, existiram vários erros dentro do processo, mesmo que isso não mude o desfecho, eu acho que a gente merece uma resposta. De certa forma a reitoria está deixando o principal interessado, que é o ICHS, fora das discussões e isso é extremamente complicado, como se de alguma forma fossemos um apêndice que não merecesse ser escutado. Isso é extremamente complicado dentro de uma instituição universitária, federal, pública de ensino. Um absurdo.”
O processo afeta diretamente membros da comunidade acadêmica, alguns com mais de uma década de ICHS. É o caso de Rodrigo Machado da Silva, doutorando em história, “estou no ICHS desde novembro de 2006, em 2018 faz 12 anos que estou na casa. Fiz graduação, mestrado, fui professor substituto, e agora faço o doutorado.” Rodrigo conta o que sentiu ao chegar à Câmara Municipal e ser barrado na reunião: “A sensação que temos é de vazio, já que a mobilização que aconteceu hoje é justamente para acompanhar o processo que atinge de forma direta a comunidade, alunos, professores, enfim todo mundo que vive em torno do ICHS, para o ICHS e pelo ICHS. É uma reunião de extremo interesse, por mais que a discussão fosse restrita às partes burocráticas, os representantes da UFOP e da arquidiocese, acho que era o mínimo de decência dessas partes permitir que nós assistíssemos essa reunião, porque nós somos de fato os mais atingidos, pelo fato de nós acompanharmos o dia a dia, viver o ICHS. Então a sensação é de vazio, fazer toda essa mobilização, chegar aqui e dar de cara na porta. É no mínimo estranho, por mais que tenha sido dito que houve um acordo entre as partes para fechar as portas, mas que acordo é esse? Um acordo que envolve um problema público não pode ser tratado a portas fechadas”.
Entenda o Caso
O Instituto de Ciências Humanas e Sociais foi criado no fim da década de 1970, em um acordo entre a Fundação Universidade de Ouro Preto e a Arquidiocese de Mariana, incorporando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Maria, extensão da Pontifícia Universidade Católica (PUC), e se estabelecendo no prédio do antigo Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, cedido em comodato pela Arquidiocese. Em 2003 a Arquidiocese protocolou uma ação judicial contra a UFOP requisitando a retomada dos prédios. Essa ação foi tramitada e julgada em última instância, estando assim em fase de execução de sentença, que pode desalojar o ICHS dos prédios históricos.
Desfecho da audiência
Durante a reunião, a UFOP apresentou à Arquidiocese de Mariana uma proposta para a permanência do ICHS no município. A proposta, segundo a reitora da UFOP, Cláudia Marliére, consiste nos seguintes encaminhamentos: “Estamos solicitando dez anos de comodato à Arquidiocese e temos, neste período, o compromisso de construir os prédios necessários para abrigar adequadamente o ICHS”.
O MEC assegurou, por meio de ofício, recursos orçamentários que visam à construção de prédios para abrigar as atividades do ICHS. A reitora acrescentou que, após ser consultado, o Iphan deu sinal positivo sobre a viabilidade de novas construções no terreno que abriga o Instituto.
Acesse a documentação referente à negociação:
Proposta da UFOP entregue para a Arquidiocese
Apoio do Ministério da Educação à construção de novos prédios
Laudo do Iphan que viabiliza novas construções
Fonte e foto: Assufop.com.br