Depois de quase um ano com uma única via para chegar e sair do bairro onde moram, os moradores do Canto dos Fechos, em Macacos, distrito de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, resolveram protestar na manhã desta sexta-feira (10) contra o fechamento pela mineradora Vale de um caminho centenário que leva até a BR-040. Agora, além de precisarem passar por uma via 9 km mais longa, as 60 famílias ainda ficam ilhadas quando a única estrada disponível precisa ser interditada.
O protesto acontece em frente ao portão instalado pela empresa às margens da BR-040, próximo ao posto Mutuca. A reportagem de O TEMPO conversou com Jaqueline Perdigão, de 57 anos, que mora no bairro há 11 anos. Ela detalha que a história da "Estrada da Servidão" remete a 172 anos atrás, quando a região era uma grande fazenda, chamada de Engenho. A via foi construída por Cândido José de Araújo Viana, o Marquês de Sapucaí, desembargador e político de Nova Lima que chegou a ser presidente do senado e que, hoje, dá nome ao sambódromo do Rio de Janeiro.
"Quando os proprietários começaram a fracionar a fazenda, eles registraram no contrato uma servidão de passagem, para que essa estrada continuasse existindo. Por lei, é muito difícil de acabar com ela. Porém, desde julho de 2021, a Vale simplesmente colocou portões na entrada e na saída, impedindo a passagem", reclama.
Ainda segundo a mulher, o percurso do bairro até a rodovia que dá acesso à capital mineira pela "Estrada da Servidão" é de apenas 4 quilômetros. O único caminho restante tem 13 km, nove a mais que o antigo caminho. "Temos que dar uma volta enorme e, se cai uma árvore, se tem acidentes nessa rodovia, o que é comum por ela ter 55 curvas acentuadas, nós ficamos literalmente ilhados. A gente já entrou na Justiça, mas ela é muito lenta e estamos numa situação péssima" reclama Jaqueline.
A moradora lembra ainda que o bairro Canto dos Fechos não possui drogarias, casa lotérica ou posto de combustível, o que dificulta ainda mais a vida dos moradores quando há alguma interdição no único caminho que a Vale deixou para eles. "Já teve gente que ficou sem gás de cozinha, sem remédio. Isso ocorreu em janeiro, quando a chuva fez a estrada ser fechada", completa.
Lucas Monnerat Silva Ellera, advogado que representa aproximadamente 50 moradores da região, detalha que, na ocasião do fechamento, a Vale informou em panfletos e placas que o acesso seria permitido a todos que possuem direito à servidão. "Mas tal situação não se consolidou e, atualmente, nenhum morador consegue exercer este direito. Há proprietários que estão sendo privados de acessar os próprios imóveis em razão de se encontrarem encravados na estrada e, apesar disso, a Vale insiste em manter o bloqueio", completa o defensor.
A alegação da mineradora até então era o risco para quem utilizava a via, uma vez que a estrada passa próximo da mina e de máquinas pesadas. "Tem mais de 60 anos que todo mundo passa por lá, e a área já era da Vale nesse período todo. Mas só agora ela achou perigoso. Mas se é este o problema, eles podem fazer um desvio para a gente nem ver os caminhões", argumenta a moradora Jaqueline.
Procurada pela reportagem, a Vale informou por nota que a estrada está localizada em área operacional da mina Mar Azul, e estaria fechada para "garantir a segurança da população e da operação minerária no local".
"A medida é uma determinação da justiça, devido ao fluxo intenso de equipamentos de grande porte da empresa no local para obras de manutenção das estruturas existentes e de descaracterização da barragem B3/B4, em nível 3 de emergência", completa o texto.
Ellera, advogado dos moradores, esclarece que a mineradora ingressou com uma ação na Justiça pedindo a extinção da servidão da estrada. "Mas alegações da Vale não se sustentam, pois a população e a mineração utilizam trechos da via de forma conjunta há mais de seis décadas e ao longo de quase 3 anos da descaracterização das barragens. A mineradora assumiu o ônus da servidão em 2006 e, se a empresa entende que coloca a comunidade em risco, já houve tempo mais que suficiente para que fossem tomadas medidas de segurança adequadas", contesta.