"Você tudo bem. Mas não sei dessas outras pessoas". Foi essa a frase que, segundo o relato da administradora Renata Medeiros à reportagem do g1, foi dita na quarta-feira da semana passada por uma gerente da unidade do Burger King, no Shopping Boulevard, em Belo Horizonte.
As "outras pessoas" mencionadas pela gerente eram seis crianças e adolescentes entre 11 e 15 anos e as respectivas mães. As crianças passam por tratamento contra o câncer e fazem parte de um projeto social fundado por Renata.
O intuito era comemorar o aniversário dela. "Convidei as crianças para passarem uma tarde comigo. Quando perguntei o que queriam fazer, elas disseram que queriam ir ao shopping e comer sanduíche. Muitas delas nunca tinham feito isso", conta.
Mas a tarde, que deveria ser de comemoração e lazer, não saiu totalmente como planejado. Segundo Renata, a frase dita pela gerente foi uma resposta após ela ter informado que sabia as regras para pegar refrigerante - nas unidades da rede, é possível encher o mesmo copo mais de uma vez nos 30 minutos seguintes à compra.
"Eu estava na fila e peguei o sanduíche. Chamei duas crianças para pegar os refrigerantes comigo e, quando voltei para a mesa, ela (a gerente) estava implicando com as mães. 'Eu tô aqui para avisar, se você não sabe, que o consumo é livre durante 30 minutos'. Eu falei que já sabia. E aí ela disse: 'você tudo bem, mas não sei dessas outras pessoas'".
Na hora, conforme disse a administradora ao g1, as mães abaixaram a cabeça diante do constrangimento. "Eu falei para ela que eram pacientes em tratamento, que tomam quimioterapia e que não conseguiriam nem tomar um copo todo. Ela falou que eles poderiam acabar o refrigerante da máquina". E esse não foi o primeiro episódio vivido pelo grupo naquele dia.
Antes desse momento, a Renata denuncia que a gerente já havia sido rude. "Logo quando chegamos, eu fui para a fila fazer o pedido, e as mães resolveram juntar as mesas para ficarem todos juntos. E a gerente chamou a atenção delas. Quando vi que tinha uma funcionária conversando, eu saí da fila e fui ver o que estava acontecendo", conta.
Após perguntar o que havia acontecido, Renata afirma que a gerente da lanchonete disse que aquilo era "uma falta de respeito" e que o grupo não poderia ter juntado as mesas sem consultá-la. "Ela disse que ali não era a casa delas", completou.
Renata conta que se desculpou pelo ocorrido e que, mesmo assim, a profissional teria sido grossa e afirmado que eles "já tinham feito bagunça" e que, por isso, poderiam manter as mesas juntas.
Em outro momento, a administradora diz que, para evitar mais problemas, foi consultar a gerente para saber se era possível cantar parabéns dentro do estabelecimento - o grupo levou um bolo para celebrar o momento.
"Ela estava perto de mim, de costas. Eu chamei três vezes e ela não virou. Aí eu falei que se ela não virasse, eu ligaria para a Polícia e chamaria a imprensa, porque aquilo não passaria batido". De acordo com Renata, foi somente depois disso que a gerente virou e respondeu. "Depois de tudo o que vocês já fizeram, podem fazer o que quiser, a casa é de vocês", disse a profissional).
Além do constrangimento para as mães e para as crianças, a situação deixou a administradora bastante chateada. Ela conta que após o ocorrido um outro funcionário atendeu o grupo de forma simpática e, na saída, pediu desculpas pelo ocorrido. "Mas ela, em nenhum momento, se desculpou", lamenta.
No dia seguinte, ela relatou o ocorrido nas redes sociais e recebeu o apoio de muitos internautas.
"A gente vive na cultura do cancelamento. Minha intenção não é cancelar o shopping ou a rede de lanchonetes. Minha intenção é que eles tratem as pessoas de forma igual. Para muitas crianças aquilo era a realização de um sonho. Lidamos com crianças e famílias que precisam de cesta básica, de suplemento alimentar, roupa e chinelo".
Ela explica que quer um pedido de desculpas por parte da profissional. "Não tenho intenção de prejudicar essa moça. Mas eu só queria que ela pedisse perdão para essas crianças. É só isso. Se tivesse palestra educativa para funcionários sobre a condição dessas crianças... tem gente que acha que câncer pega e é triste saber disso". A administradora não tem intenção de registrar um Boletim de Ocorrência sobre o caso.
"As crianças menores não entenderam o que estava acontecendo. As adolescentes ficaram chateadas. Para as mães foi bem pesado. Elas já lidam com a escassez, com a enfermidade, com o fato de não saber o que vai acontecer com o filho. Para elas foi muito triste".
Segundo Renata, após a repercussão do caso nas redes sociais, a equipe do shopping entrou em contato com ela e se desculpou. Ainda de acordo com ela, a administração do centro de compras informou que iria acionar a gerência-geral da rede de lanchonetes.
Em nota, a assessoria do Burger King informou que "está apurando o caso mencionado para as devidas tratativas. O BK reforça que está sempre em busca de oferecer as melhores experiências aos consumidores e que, em seus restaurantes, todos são bem-vindos".
O Shopping Boulevard afirmou que repudia qualquer "atitude discriminatória e a abordagem relatada não condiz com a postura adotada pelo shopping, onde todos são bem-vindos". Informou também que a administração fez contato imediatamente com a cliente para ouvi-la, "acompanhando o caso de perto".
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