“Cadê você? Estamos com saudades!” Parece até o e-mail de um amigo seu. Mas, na verdade, é uma loja te mandando mensagem. Nas redes sociais, é a mesma coisa —te chamam até pelo nome. Pensamos em algo e pronto: a oferta já aparece nas redes sociais, na internet. É muita tentação. “Mas existem maneiras de desligar esse processo de querer, de aproveitar oportunidades que a gente sente só naquele momento do consumo”, diz a especialista em economia comportamental Flávia Ávila, presidente e fundadora da InBehavior Lab.
E é importante entender o que acontece em nossa mente na hora do consumo, principalmente agora, em tempos de crise – para sobreviver à temporada de liquidações e não se arrepender pelo resto de 2022.
“Nossa mente cria narrativas para justificar o impulso da compra. Coisas como: ‘ah, é uma boa oportunidade’; ‘quero o prazer imediato e vou pagar no futuro, com o cartão de crédito’”, exemplifica Flávia.
E não é preciso nem que ninguém te questione sobre se vale ou não a pena comprar algo. A gente faz isso sozinho e vai criando as justificativas na emoção. Uma das mais comuns nessa época de ofertas é, segundo ela, a armadilha do “fresh start”, ou do começo novo.
A gente quer investir em algo novo: uma ergométrica, roupas novas, um aspirador robô – como se aquilo fosse dar um “restart” na vida. “Você pensa que está investindo em você, para ter um recomeço legal. Na verdade, é uma cilada. Você gasta, encosta tudo e fica sem o dinheiro”, diz Ávila.
Quer uma prova disso? No site OLX, especializado em anunciar vendas de pessoas físicas —principalmente itens de segunda mão—, o número de anúncios deu um salto no ano passado em relação a 2020. Só de robô aspirador, a alta de produtos anunciados por pessoas foi de 81%. De ergométricas, 71%. Fritadeiras elétricas? 61%. Outro item que teve um grande aumento no número de anúncios foi o smartwatch: 43%.
Esse arrependimento é comum. Metade das pessoas no Brasil não têm certeza se fariam a mesma compra se tivessem que repeti-las, segundo pesquisa feita no ano passado pela agência de publicidade R/GA para analisar o comportamento do consumidor no pós-compra em nove mercados da América do Norte, da Europa, da Ásia-Pacífico e da América Latina. Ou seja, 50% dos consumidores brasileiros se arrependem do que compram. Depois de feita a aquisição, 38% dos consumidores afirmaram que as marcas prometem mais do que efetivamente entregam.
“Geralmente, a expectativa do consumidor é alta e não corresponde ao que o produto entrega”, diz Giacomo Groff, vice-presidente de estratégia da R/GA. “Isso acontece muito porque as marcas investem 80% do que destinam para marketing para o pré-compra. E fazem menos esforço para garantir a satisfação do cliente no durante e no pós-compra.”
Para evitar essa gastança de dinheiro à toa, Rodrigo Dias, planejador de finanças pessoais da NoFront, plataforma de educação financeira, diz que é preciso desarmar os gatilhos que o marketing ativa em nós para o consumo. Evitar a exposição ao consumo é uma delas. Se você não quer gastar, por exemplo, não vá ao shopping.
É o que faz a dentista Ana Luíza Silva. “Evito ir a shoppings, lojas, restaurantes. Não se expor ao consumo ajuda muito. Claro que isso está bem mais difícil agora, com tudo fácil de comprar pela internet”, conta ela.
Os e-mails de oferta? Delete e tire seu nome das listas de envio. Sites que têm registrado seu cartão de crédito, para comprar só com um clique? Delete também. “A dica é criar barreiras para o consumo não ser facilitado e dar tempo de você racionalizar, pensar direito e não ir só pela emoção do momento”, diz Ávila.
Outra boa saída é escrever num papel os prós e contras da compra. Isso mesmo: pegue uma caneta e faça isso. “Às vezes bastam alguns minutos só para você perceber que não precisa daquilo”, diz a especialista. Isso acontece porque na hora de uma compra, nosso cérebro tem dois mecanismos: o que age rápido, por instinto, impulso, e o racional. As compras por impulso são feitas só usando essa parte do cérebro do pensamento rápido, da satisfação de instintos. “Quando a gente se dá um tempo, conseguimos ir para o outro nível, o do racional.”
O cartão de crédito é a maior armadilha de todas. Ele tira a dor do pagamento de nossa visão, afinal, fica tudo para o futuro. Mas ele chega. Então, deixe ele em casa, guarde num lugar difícil, tire o registro dos dados dele dos sites. “O cartão diminui a dor do pagamento e aumenta o prazer imediato da compra. Se você tem que pagar com dinheiro vivo, débito ou Pix, o pagamento é uma coisa real, que acontece ali na hora.”
Dias concorda. “Se você guardar o cartão de crédito em uma caixa, num lugar não tão fácil de acessar, você não compra mais aquela blusinha que vai esgarçar na segunda lavada e só faz compras planejadas com ele.”
Quantas vezes você comprou roupas parecidas, produtos de beleza repetidos, sapatos iguais? A gente esquece o que está guardado, fora de nossa visão cotidiana. Então, se você está pensando em comprar um protetor solar novo, um perfume, olhe nas suas gavetas para saber se ainda há produtos quase novos esquecidos ali —e os coloque na ativa novamente.
Antes de dar o clique em uma compra, pare e se afaste do computador. Ou saia da loja. Tente pensar como você se sentiria se já tivesse comprado o produto. Vale a pena? Vai usar? Ou é só coisa de momento?
“Descobri que vender dá tanto prazer quanto comprar”, diz o arquiteto Douglas Cunha. Ele separou coisas que não usava mais —óculos de sol, luminária, luvas de couro, massageador— e vendeu tudo na internet. “É tão bom dar um uso novo para coisas encostadas. Fora o dinheiro que entra”.
Dias, do NoFront, afirma que fazer contas mentais nunca dá certo. Inconscientemente, você vai arranjar um jeito de comprar se fizer isso. Mas se colocar tudo no papel, ou na tela, vai ter a real visão de sua contabilidade e vai saber se pode ou não adquirir.
Você quer economizar para quê? Para mudar de casa, comprar um carro, fazer um curso? Três professores de economia comportamental da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, criaram um site que ajuda as pessoas a cumprir suas resoluções, seja economizar, perder peso, parar de fumar.
O site (ou aplicativo) chama-se StickK.com. Nele, você assina um contrato consigo mesmo e se impõe penalidades monetárias se não cumprir suas promessas: doações para serviços de caridade e organizações não governamentais.
“Se eu comprar algo que não devo, vou ter que doar roupas usadas ou fazer uma doação em dinheiro. Quando você se impõe regras assim, as chances de cumprir suas metas aumentam cinco vezes”, diz Flávia.
Mas as punições têm que ser realmente punitivas para você. Não adianta driblar com castigos que não vão te mobilizar.
A pressão dos colegas, por exemplo, é outra técnica que pode ser usada para provocar mudanças, segundo a economista comportamental Katy Milkman, autora do livro “How to Change: The Science of Getting from Where You Are to Where You Want to Be” (Como mudar: a ciência de ir de onde você está para onde você quer estar – ainda não lançado em português).
A autora diz que quando todos seus amigos fazem exercícios, as chances de você também aderir às atividades físicas aumentam. Seus amigos são consumistas? Melhor dar um tempo. Ou fazer programas diferentes com eles.
Mas tenha calma. A autora lembra que devido a mentalidades profundamente arraigadas, efetuar mudanças não é fácil. A transformação segundo ela é um processo lento. É como tratar uma doença crônica: exige paciência, perseverança e determinação.
Então, tenha calma. Se sofrer um deslize, não caia na cilada do “já que”. “Já que furei minha poupança, vou continuar gastando. Isso é o que a gente pensa quando escorrega”, diz Dias. Respire fundo e continue firme.
Fonte: CNN