Nestes dois anos de pandemia, o caráter sistêmico da Covid-19, isto é, sua capacidade de afetar diversos órgãos, tem desafiado médicos e cientistas ao redor do mundo a entender a extensão dos seus efeitos no organismo – um deles é a possibilidade de alteração da glicemia mesmo em pessoas saudáveis, que não têm propensão a desenvolver diabetes.
A endocrinologista Mariana Carvalho explica que existem algumas hipóteses que podem esclarecer como se dá a evolução do paciente para um quadro diabético, mesmo em casos leves da infecção causada pelo coronavírus.
Uma delas é o impacto direto do Sars-CoV-2 no pâncreas, órgão responsável pela produção de insulina, que é o hormônio encarregado de transportar a glicose no organismo.
Segundo a especialista, existe um receptor chamado ACE2, ao qual o coronavírus se liga para entrar nas células e causar a infecção, mecanismo que está presente no pâncreas, o que explicaria a alteração da glicemia.
“Temos visto pessoas que tinham um exame normal de glicemia antes da Covid e outro exame alterado pós-Covid. Mas não sabemos se são pacientes que já tinham tendência, nos quais o coronavírus precipitou o aparecimento do diabetes, ou se são pessoas sem tendência alguma. É difícil avaliar como eram os hábitos de vida delas antes da Covid, porque às vezes a glicemia era normal, mas as pessoas já tinham um fator de risco para desenvolver a doença, como estar acima do peso ou ser sedentárias”, explica a médica.
Além disso, Mariana ressalta que cerca de 50% da população não sabe que tem diabetes, já que os sintomas só começam a aparecer quando a glicemia está em um nível muito elevado. Nesses casos, a Covid-19 acaba evidenciando o problema.
“Às vezes a pessoa é internada e durante a internação acaba descobrindo ocasionalmente que tem diabetes, [porque] qualquer quadro infeccioso pode descompensar a glicemia”, afirma.
Outra questão que pode desencadear o diabetes ou mesmo alterar a glicemia naqueles que têm a doença controlada é o tratamento administrado a pessoas que desenvolvem quadros graves de Covid-19 e precisam ficar internadas. Nesses casos, os pacientes recebem corticoides, um tipo de medicação que causa alteração no metabolismo da glicose.
“Tenho feito alguns acompanhamentos e observo que em algumas pessoas a glicemia acaba se normalizando alguns meses depois [da Covid], mas outras permanecem com ela alterada, mesmo que leve, porque provavelmente já tinham tendência ao desenvolvimento do diabetes, e aí o coronavírus foi só um empurrãozinho”, destaca a endocrinologista.
A melhor forma de prevenção do diabetes é ter uma vida saudável, segundo a endocrinologista, sobretudo aquelas pessoas que já têm histórico da doença na família.
“Entre os fatores mais determinantes que podem piorar ou precipitar o aparecimento do diabetes estão o excesso de peso, o excesso de gordura corporal, o sedentarismo e a má alimentação. Então, quando já existe um parente de primeiro grau que tem diabetes, a pessoa precisa se cuidar um pouco mais do que o restante da população”, explica Mariana.
A especialista recomenda a prática regular de atividade física e uma alimentação balanceada, evitando-se o abuso de doces e carboidratos, o que pode contribuir para o ganho de peso e para o acúmulo de gordura abdominal, fatores de risco para a doença.
“Aquela gordurinha que se acumula na região do abdômen tende a se acumular dentro dos órgãos, causando gordura no fígado e no pâncreas; é uma gordura visceral que contribui para o desenvolvimento do diabetes”, ressalta.
Para ser considerado normal, o nível de glicemia deve estar em 100. Quando passa consideravelmente desse patamar, os sintomas do diabetes começam a aparecer. Os principais são: cansaço, mal-estar, falta de energia, perda de peso, sede, fome, visão embaçada, dor nas pernas e aumento do volume de urina.
“Toda vez que nos alimentamos, a glicose entra no nosso corpo e é distribuída entre os órgãos pela insulina, e o açúcar também é eliminado pela urina. No diabético há dificuldade nessa distribuição e na eliminação. Então a pessoa começa a ir ao banheiro várias vezes, porque o açúcar, que deveria estar nos órgãos, está no sangue”, explica Mariana.
A endocrinologista destaca que um leve aumento da glicemia pode passar despercebido, pois não há nenhum sintoma, o que explica o alto percentual de pessoas que convivem com a doença e não sabem disso.
“Entretanto, se não for iniciado um tratamento logo nessa fase em que há um leve aumento da glicose, ela vai aumentando [gradualmente] e então aparecem alguns sintomas que o corpo mesmo faz na tentativa de eliminar o açúcar no sangue”, destaca.