Pedro Bernini e Cláudia dos Santos são pais de Arthur, uma criança de seis anos, que no final de 2021 foi diagnosticado com uma variante da síndrome de Dandy Walker, que provoca uma má formação no crânio, na região do cerebelo, e afeta a coordenação motora grossa e um dos hemisférios do cérebro que pode levar a convulsões. Além disso, Arthur possui um diagnóstico de Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
De acordo com os pais, a convivência física com outras crianças é essencial para o desenvolvimento do filho. Arthur estava matriculado na Escola Monsenhor João Castilho Barbosa, no bairro Barra. Mas, com o retorno do ensino, a escola informou que não voltaria presencialmente e os pais decidiram fazer a transferência para outra unidade de ensino. “É muito difícil para ele aprender com essa forma remota, ele precisa de um acompanhamento presencial [...]. Eu tenho os laudos dele, tinha justificado porque ele precisava de uma escola presencial e vi que ele tem esse direito”, contou Cláudia.
Para poder acompanhar as atividades escolares, Arthur necessita de um monitor, garantindo, assim, o seu acesso a uma educação inclusiva. Segundo Pedro, devido ao período letivo já ter iniciado, sabia que seria difícil conseguir uma vaga. Por isso, procurou diretamente a Secretaria de Educação para ser auxiliado: “No contato telefônico, eu deixei ciente que meu filho tem uma condição. Expliquei que o laudo oficial dele é TDAH, mas que eu tenho os relatórios, os exames falando que ele tem a variante da síndrome de Dandy Walker. Tenho a tomografia, o bera (exame que avalia a integridade dos nervos das vias auditivas, realizando o registro da atividade elétrica no sistema auditivo e o estado do nervo auditivo), o encefalograma, toda a documentação [...]. Mas, que ele tinha o laudo oficial (TDAH) e precisava que fosse matriculado [...]. Pedi que fosse em uma escola mais perto da nossa residência”, relatou o pai da criança.
Pedro afirmou que além da escola anterior de seu filho, a escola mais perto de sua casa era a Escola Municipal Simão Lacerda. Contou que funcionárias da Secretaria de Educação entraram em contato com essa Escola, mas informaram que não haveria vaga, que o ideal era esperar o retorno do ensino presencial na Escola Monsenhor João Castilho Barbosa.
“Com a negativa, eu entrei em contato com a Assistência Jurídica de Ouro Preto que me orientou a entrar em contato diretamente, via telefone, com o secretário de Educação, Renato Zoroastro. Afinal de contas, essa vaga deveria acontecer, porque eu tinha direito a essa vaga para o meu filho. No dia 10 de fevereiro, eu entrei em contato com a Secretaria e pedi para falar com o secretário de educação. Me informaram que ele não estava e que não tinham os horários dele. [...] Mas, me indicaram a diretora de inclusão”, contou.
Os pais relatam que, desde este momento, o contato passou a ser com a diretora de inclusão e que enviaram os laudos do Arthur para ela, que se prontificou a conseguir a vaga para a criança. Mas, após ela ligar para as escolas do município, inclusive para a Simão Lacerda, todas alegaram não possuir vagas.
Daí, Cláudia, que é professora substituta na Universidade Federal de Ouro Preto, tem uma colega que a informou que havia conseguido vaga para a filha na Simão Lacerda. “Então, a gente começou a suspeitar muito dessa situação”, pontuou.
No dia 16 de fevereiro, o casal ligou novamente para a Secretaria de Educação e foi informado de que as vagas remanescentes eram tratadas diretamente com a escola. “Em seguida, entramos em contato com a Escola Simão Lacerda”, explicou Pedro.
Segundo Claudia, a seguinte conversa ocorreu: “Eu liguei na Simão Lacerda, falei que era uma pessoa de fora e que tinha acabado de chegar na cidade, que estava morando na Bauxita e precisava de vaga para o meu filho no primeiro ano do fundamental. [...]. [Disseram] para ir lá para conversar [...]. Disse que estava trabalhando e que não dava para ir naquele momento, que precisava saber se tinham a vaga ou não [...]”. A mãe relata que então lhe perguntaram: “Seu filho tem alguma comorbidade? Eu respondi: Não, por quê?”. Claudia continua seu relato afirmando que a responsável pelo atendimento “ficou meio sem graça, gaguejando e falou: eu sei que é chato falar isso, mas é que não estamos aceitando crianças com qualquer tipo de comorbidade. Disse que as salas estavam cheias de crianças com deficiência e para vir alguma criança com deficiência precisa de monitor e não tinha espaço. Então, eles não estavam aceitando crianças com comorbidades. Quando falei que meu filho não tinha comorbidade, ela disse que tinha a vaga e que eu poderia matriculá-lo [...]”.
Diante do ocorrido, os pais procuraram o Conselho Tutelar de Ouro Preto e, segundo contaram, juntos ao órgão de proteção da criança e do adolescente, realizaram uma denúncia ao Ministério Público. O Liberal entrou em contato com o Conselho Tutelar de Ouro Preto que informou que os casos do Conselho são sigilosos, mas em nota afirmou que “a educação é um direito constitucional de todas as crianças e adolescentes sem distinção'. O Conselho Tutelar tem o compromisso com a adoção de medidas necessárias para assegurar às crianças e adolescentes o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidade com as demais de forma efetiva. [...] Por se tratarem de agentes absolutamente e relativamente incapazes, cabe à família, à sociedade em geral e ao Poder Público garantir tais direitos”.
Ainda, O Liberal entrou em contato com a direção da Escola Municipal Simão Lacerda para poder responder às acusações. A representação da escola optou por não se pronunciar sobre o caso.
Pedro relata que após toda a situação envolvendo seu filho, a Secretaria de Educação, via Conselho Tutelar, solicitou uma reunião com eles para apresentar justificativas. No entanto, de acordo com ele, não houve a presença do secretário de Educação.
“O secretário, mesmo sabendo que houve um crime, não se dignou a ir nessa reunião. A superintendente e a secretária adjunta tentaram se justificar, me garantiram que não ia acontecer mais. Mas, eu afirmei que iria adiante com todas as denúncias. Para conseguir o que meu filho tem direito, eu precisei de um constrangimento desse tamanho, estou expondo meu filho [...] O secretário está alegando que não sabia. [...] Ele estava sabendo de tudo, desde o dia 10 de fevereiro e simplesmente negligenciou”, denunciou o pai.
Arthur, atualmente está estudando em outra escola da cidade, tendo o acesso que lhe é garantido, incluindo monitor em sala de aula e o serviço de transporte. Seus responsáveis explicam que, apesar disso, acham importante manter a denúncia. “A gente quer tornar pública essa denúncia, na qual o nosso filho foi discriminado por portar uma necessidade especial. [...] Houve intimidação, pouco caso e negligência por parte da Secretaria de Educação, discriminação por parte da Escola Simão Lacerda”.
O Liberal entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Ouro Preto. Em nota, a pasta esclareceu que está apurando as reclamações e denúncias e tomando todas as medidas necessárias à elucidação dos fatos. Ainda, ressaltaram que, “em respeito aos princípios que regem a Administração Pública, não publicaremos os nomes dos envolvidos pois, por lei, é de caráter sigiloso, até mesmo para não atrapalhar as apurações administrativas”.
A nota afirma, também, que “diante disso, registra-se que em momento algum houve qualquer tipo de discriminação, omissão, negligência ou conveniência. Destaca-se ainda que os profissionais da Educação da rede pública municipal, mesmo diante de tantas dificuldades e desafios, se esforçam ao máximo para atender todos os seus alunos da melhor forma possível, sem qualquer tipo de exclusão ou discriminação. O trabalho de inclusão no Município atualmente tem sido muito mais do que efetuar matrícula, mas, sim, com respeito à dignidade dos educandos em todas as suas dimensões”.
Por fim, a Secretaria de Educação pontua que “todas as ações são pautadas na observância das regras administrativas e dos direitos dos educandos, contudo, se eventualmente houve descontentamentos, em qualquer situação, a Secretaria Municipal de Educação por meio desta Nota, externa o pedido de sinceras desculpas e segue na busca de aprimorar cada vez mais os serviços educacionais que presta no âmbito de sua competência, priorizando o respeito nas relações humanas, qualidade e eficiência”.
Por Lucas Porfírio
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