Justiça inglesa vai julgar o desastre de Mariana e pode pagar R$ 32 bilhões a mais de 200 mil vítimas

DESTRUIÇÃO Acidente em Minas Gerais matou 19 pessoas e causou perdas e prejuízos permanentes para outras centenas de milhares: luta pela reparação (Crédito: Avener Prado)

04/03/2022 às 16h50

A Corte de Apelações da Justiça britânica vai julgar, no próximo dia 4 de abril, uma ação movida pelas vítimas do desastre de Mariana contra a BHP Billiton, grupo anglo-australiano associado à brasileira Vale, na Samarco, mineradora responsável pela tragédia. O caso, levado adiante pelo escritório de advocacia multinacional PGMBM, envolve pedidos de indenização para cerca de 200 mil vítimas, que poderão superar 5 bilhões de libras (R$ 32 bilhões). Na hipótese da demanda ser acolhida pelo tribunal do Reino Unido, ela será o maior processo em número de vítimas e o segundo em valores na história da Inglaterra. Ele foi ajuizado em 2018 e julgado em primeira instância em 2020, quando acabou rejeitado sob o argumento de que duplicava as iniciativas de reparação de danos em curso no Brasil. Os advogados da PGMBM recorreram e, numa decisão rara na Justiça inglesa, conseguiram uma segunda chance para tentar reabri-lo. O escritório propõe que cada vez mais empresas causadoras de grandes acidentes ambientais sejam penalizadas nos países de que são originárias. Seus 100 advogados atuam globalmente buscando oportunidades judiciais de alto impacto.

“Estou confiante no recurso que movemos na Corte de Apelações. As indicações de que podemos ganhar são muito positivas, já que há evidências de que as vítimas não receberam as devidas reparações no Brasil pelo desastre”, disse à Istoé Tom Goodhead, um dos sócios do PGMBM. “A BHP é uma multinacional que colhe grandes lucros nas regiões onde opera e acho natural que uma empresa como ela, responsável pelo maior crime ambiental do Brasil, seja diretamente responsabilizada na matriz”. Segundo ele, os danos causados pelo desastre aumentam a cada dia e as vítimas sofrem perdas incessantes e continuadas por causa na contaminação que atingiu 39 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Na ocasião, em novembro de 2015, a barragem do Fundão se rompeu, despejando mais de 50 milhões de toneladas de rejeitos de mineração, que invadiram os rios da Bacia do Rio Doce, soterrando comunidades e matando 19 pessoas, e chegaram até o mar. Para os ambientalistas demorará um século para a região se recuperar completamente.

“Confio no recurso que movemos na Corte de Apelações, já que há evidências de que as vítimas não receberam as devidas reparações no Brasil” Tom Goodhead, advogado e sócio do escritório PGMBM

Para levar o processo adiante na Corte britânica, o PGMBM mobilizou um exército de 500 advogados brasileiros que já mantinham contato com as vítimas, que tentavam valer seus direitos e estavam insatisfeitas. Outras 300 pessoas prestaram serviços de apoio ao escritório. Todos os participantes da ação responderam um questionário em que descrevem com exatidão as perdas que sofreram e estão sofrendo e os locais dos danos foram visitados. A PGMBM, se tiver sucesso, receberá 30% de honorários. Entre as 200 mil vítimas da ação, estão incluídas 700 empresas, 25 municípios, três comunidades indígenas e uma diocese. Uma das vítimas é o pescador Felisberto Leite, 68 anos, dono de uma ilha de seis hectares em meio ao Rio Doce, onde plantava e criava animais, mas teve a propriedade destruída. “Tudo que eu tinha virou lama”, diz. “Aderi à ação na Inglaterra porque lá existe Justiça e aqui no Brasil não é confiável. A Renova trata a gente como animal”, diz ele, que recebe R$ 2,4 mil mensais por causa dos lucros cessantes a partir da catástrofe, mas ainda não foi indenizado pelas perdas. A Fundação Renova foi criada pela Vale, BHP e Samarco para mobilizar recursos para a reparação de danos em Mariana.

m nota, a BHP reiterou a sua posição de que o processo no Reino Unido é desnecessário e não deve continuar, uma vez que as questões levantadas pelos autores estão cobertas pelo trabalho em andamento da Renova, por decisões judiciais dos tribunais brasileiros ou já são objeto de processos judiciais. Para a BHP, os mecanismos de reparação e compensação implementados pela Renova, com a supervisão dos tribunais brasileiros, são os meios apropriados para que as pessoas e comunidades atingidas formulem seus pleitos e obtenham reparação. Segundo a empresa, até o final de 2021, foram investidos mais de R$ 19,6 bilhões nos 42 programas de reparação e compensação ambientais e socioeconômicos que administra. Além disso, 51.800 pessoas de categorias informais com dificuldade para comprovar seus danos receberam pagamentos, no total de R$ 5,1 bilhões”, diz. Seja como for, a apelação da PGMBM será analisada com cuidado. O julgamento vai durar cinco dias e pode causar uma transformação no direito internacional ao culpabilizar a matriz por danos ambientais em outros países.

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